sábado, abril 10, 2004

Asa

tenho tripas cansadas
dentro de mim sou nômade
sinto o lugar com selvageria
a violência inconseqüente
num cuspir pra cima
artérias poéticas
correndo rio abaixo
as letras: inevitáveis palavras
tenho paixão
amor é reles palavra
deitada a beira do abismo, gargalhando
um raio de sol queima demais
um singelo e desprevenido ai
torrando cérebros mortais
fornecendo aos sete sentidos
a água milagrosa
que dá à luz ao morto
atormenta pela ausência
tristeza
temporal em número e grau
sem corpo espacial
mortal e passível
de dar náuseas ao lembrar
minha vã mortalidade
vivendo ao norte do Olimpo desses versos
semi deus mudo
mundo relativo à velocidade
que não é pouca:
aumenta na tonelada do tempo
tenho em azul nas penas
a rouca garganta incansável
perante o infinito
da sexualidade do universo
sede de contentamento
satisfação não obtenível
inatingível por meios lícitos
numa moral que com o tempo
esmorece emudece amarelece
como é de sua lei
vivendo taquicardias
tecendo tolas teias
gigantes e insuportáveis
negras letras dançam marcadas
sem passividade teatral
nem atividade atômica
apenas palavras palavras palavras
elevadas à potência nove
sem destino com clareza
erguem-se sensações metropolitanas
no caminho arborizado
inconecto e real
néon perdido entre elos magnéticos
reluzentes de energia latente
algo prestes a explodir
emersão dúbia: uma palavra, um anagrama:
ASA
são duas
uma que sobe outra que sabe
ser menos amarga
é o que pedi ao muro de gases
humanos que me cerca
a cintilância dos olhos amigos
prazer supremo
mandamento não mencionado
ardil esperteza mosaica
daquilo que leva à morte a ação:
A ASA
e neste vôo levar tristezas
para além do esquecimento
olhar luminoso
deixa-me descansar em tuas lágrimas
que choram por ser
simples e pura mente mortal
voltar ao início dos tempos
encolhido em tua cintilância
mas deixa-me ser só ser
o teu desejo mais profundo
se tiveres um dia a coragem de sabê-lo
apagar o fogo dessa angústia
sem matar
apenas manter apagada por uma noite
de puro extremo amor tremor:
PALAVRA
passado o refluxo ressaca estou seco
tentado pelas sombras das nuvens
a sair do limite físico
passar à eternidade catástrofe epigráfica
catártica em sons e imagens
alcançando a profundidade da nudez
magnífico cenário
de uma infinita peça inacabada
como é de seu inevitável desejo
como é de sua inevitável verdade:
perfeição
profecia: a morte da palavra
milhões de palavras a rirem do destino
do profeta
monstruosas no sonho
em que se tivesse descoberto
o segredo da criação
porém de impossível lembrança
visceral
como raízes da raça
negro noite é a cor do fantasma
que convida a beber ao esquecimento
este ser:
a mais profana arte
de que se tem notícia
talvez exista sem dúvida por isso
não temos tempo para sentir o cheiro
vermelho de suas asas quebradas
lamento mas te amo
apesar do viscoso que tua alma exala
não não não
sete ratos perdidos no esgoto
da pré-história
fazem apenas parte da histeria
número-musical deste século
o mal agora é outro e abocanha males
de todos os séculos: vanguarda
transportada para outro espaço
levou minh’alma de marginal
no olho de seu furacão
para a cidade de fogo e pedra
reflexo dos raios de sol
no espelho sideral das galáxias
das mentes ilimitadas
que já não dão o prazer de sua presença
já que assassinadas em guerras santas
vãs por definição de sua vã mortalidade
vômito morno deixando isso de lado
fugindo das tripas cansadas
tenho um testemunho de deus ao vivo
que rege minha fé no infinito:
pode-se dizer que tudo vai bem
só que estou sangrando
porque está escrito
e já não se pode discutir com palavras
quando o sentimento voa
e não volta mais
assim o sonhei
numa partícula acelerada
por um canhão de palavra suprema
e assim voei
quando energias libertadas
poesia eminente
lamento mas tenho a pior das chagas:
o esquecimento
mas dizem que mesmo assim
deve ser divertido
leve como asas sem dono
sem caminho ou direção
a criação assim inerte
sobre a mesa da liberdade
por via das dúvidas
pois ali ela ficará até o final dos tempos
sua causa: a ASA
também sua conseqüência.
abrindo asas
sim
sem fim.


Paulo Baroukh 1984
pbaroukh@gmail.com