quinta-feira, março 24, 2005

A pé, a engendrar poemas

(Há pouco e a pé, um nascer de sol no mar)

A dormir, acordei, ainda noite.
O mar rugia dentro de mim e fora,
e virados, eu e ele,
companheiros de mil pensamentos trágicos;
mas o mar não fabrica imagens,
apenas as é.

O sol nascente e eu a revirar:
- Ah, chega, não vou dormir mais, mesmo...
Levanto, ainda noite, me sei só,
poucos raios surgem no horizonte,
deixando vermelhas as cristas das nuvens.

Ando e ando.
Quero pedra, quero conexão com a Terra.
O semicírculo vai surgindo mais:
Ruídos me fazem pensar em vampiros,
que se vão.

Tento pensar em sereias.
Mas atraio cães, velhos, loucos e manetas.
E todos latem pra mim.

Aos loucos respondo como louco,
para a surpresa de ambos.
Querem falar o dia. Eu quero calar minha noite.

Pedra enfim.
O sol nasce inteiro, no mar
produzindo ondas transparentes,
para meu deleite e amor.
Porquê não posso levá-las todas
pra onde quer que eu for, daqui pra frente?

Encontro um peixe encalhado, se afogando.
Estou identificado.
Daria a ele meu pulmão, se pudesse,
mas tudo que faço é colocá-lo de volta no mar,
com suas guelras ofegantes.
Poderia sobreviver, mas não tem força para nadar.
Estou identificado.

Um repente, e uma gaivota me tira do peixe.
Surpreendentemente grande,
mas também não via uma tão de perto desde o Tejo,
onde elas vêm a voar,
comer pequenas coisas
às mãos de lacrimejantes seres líricos.

Mas...não nos afoguemos ainda mais...
Levar as ondas transparentes a todos os lugares,
e deixar que meu coração se inunde.

O ano termina e com ele nada termina.
Os ciclos não se fecham,
apenas se iniciam eternamente.

E tenho asas.
Não estão velhas nem cansadas,
mas com pouco uso.
Não posso dá-las ao peixe afogado,
assim como não posso salvar-me com asas alheias.

Então, alheio sigo a engendrar poemas a pé
e ao nascer do sol.
Insone, sonhando acordado,
com minhas ondas transparentes de sol
e cristas de ouro.

Sobre a areia seres mínimos: serão pulgas?
Penso nas pulgas que incomodam a gente na cama, à noite...
Mas não; a natureza é mais variada que meus pensamentos.
São pequenos vampiros,
que voltam para baixo da Terra,
sob o sol imperador já ardente.


Paulo Baroukh 1999
pbaroukh@gmail.com