TRIOPIA
Se nos primeiros 5 me fiz palavreando, titubeante,
imitante,chamava a mim mesmo pela terceira pessoa do singular,
será que não podia ele me chamar em particular e falar de miopias,
entre tantas palavras em 3 línguas que deviam se tornar uma só, sem nó, sem mestre?
UM DIA
Dos zero aos 5 palavreei por imitança, por aceitação, por
risos, por amor.Misturei as línguas todas, imaginárias mais a música, mais deus e mais amor familiar.
Voz de minha mãe, vitrola do meu pai. Amor, tremor, calafrios de desejo: música.
Lobatos, handersens, lafontains, minotauros. Palavras. Sombras.
Num tentar entender tudo num só dia. Não deu.
Pela vã monarquia perdida em primeira pessoa, fui lançado no tempo inimitável da morte,
heranças, me contaram, de um mundo muito anterior, muito interior.
Não lembro, mas escrevo que escrevi por medo e finalmente por arremedo.
SER
Dos 10 aos 15: ser, coisa misteriosa e perguntante...Existe? Que coisa é essa pra existir? É pra amar, pra perder, pra se acostumar?
Além-mãe, além- pai, além-irmãos, vida, luz ardida que cega, sede imortal, tudo.
Como seria se?
Vagando sem cão nem guia num mar de rabiscos incompreensíveis, mas escrevi.
NEGAÇÂO + MAIS AMOR PURO
Dos 15 aos 20, claramente escrevi na obscuridade do medo
da morte,não da minha, mas de um amor confuso, difuso, guerreiro e guardião, trôpego, desajeitado.
Misturado turbilhão de sentimentos que só pode a morte de um pai.
Vai-se o poder, ficam as palavras e o eco terreno e baldio do verbo: o início, a poesia.
Aleph.
FLASH
Um dia dei ao meu pai um caderno em branco e um lápis e lhe
disse impotente: Escreva e isso vai salvar você.
Mal sabia eu que essa estranha religião salvaria a minha vida incontáveis vezes.
Como agora.
MILITÂNCIA
Dos 20 aos 25, já livre,
pensei militante,
se existe liberdade é essa a hora: me fiz em verso, reverso, me fiz poesia, me fiz em livros e assombros lidos e escritos.
Num decair de anjo a demônio, puro de prazer e anarquia. Veja: aqui estou, rodopio.
E de tanta imagem, a vertigem me levou de flor a fruta: foto-palavras com asas de verolhar.
SONHO DE ESCRITOR
Dos 25 aos 30 me fiz então só,
arrancando o poeta do convívio humano, não sem dor nem sem vontade de ser como
é um escritor com suas sagradas palavras criadas recriadas para meu deleite e
para deleite de quem lê ávido de preencher um vazio com a certeza de que é tão
inexorável o buraco que nem toda areia pode enterrar palavras lunares soltas na terra, minha terra de desterrado e
eterno vagabundo. Mundo
E eu mudo.
NOVOS HABITANTES
Dos 30 aos 35 me dei à luz, me tornei o impossível pai
que a morte mar tinha já levado.Onde estavam as palavras? Perdi todas!
Novos horizontes se nasceram, filho, filha, vida escancarada em um amor intenso, doce, praia
poderoso terremoto.
Palavras outras, doces, incondicionais palavras, belas, precipícias, transcendentes, cachoeira,
poderoso maremoto.
PAUSA
Sonhei uma noite “era uma vez”, que com minha força,
levantando meus filhos acima da minha cabeça, podia ver a inatingível luz
através dos seus olhinhos.Agora grandes, me contam histórias que eu li pra eles quando éramos pequenos.
3 PALAVRAS
Daí escrevi sem endereço pedindo por luz ateia, sabedoria
necessária e amor suficiente.Daí me fiz em revolução pra que a história não se repetisse.
Daí me lancei ao espaço sem gravidade.
RIMA
Por azar ou por destino, rima, escolha ou intuição,
escolhi do mundo, a paixão dos 35 aos 40.Mar! Ar! Era preciso rimar. Amar. Apaixonar, viajar. Intensidade.
Mas era pobre a rima e acabou-se. Tudo que aprendi, tento tecer com palavras.
Tornarei assim a história eterna? Como, se o que persigo é não repetir?
Essa fúria perguntante faz com que a palavra se perca,
transforme-se em imprecisão. (também isso é possível).
Expressão das profundezas de um ser-eu inacabado em quarta pessoa.
POTÊNCIA DEFLAGRADA
Dos 40 a 45, ah, a glória da força potente, da morte
longe, do tudo por fazer.Estudo afinal até o final, uma vida tranquila, projetos, direito a sonhar, a projetar, a desejar.
Ar feito de ouro, construir muros e palavras, palavras, palavras, muitas e moldáveis.
Tão flexíveis as palavras que se dissolvem todas com o vento da calmaria.
Silêncio.
ILUSÃO DELIBERADA
Dos 45 aos 50, confesso que me iludi.
Sabendo, isso é ilusão?Trilhando caminhos óbvios, simples, que havia sempre re-negado.
Porque não? Quem sabe assim?
Mas a ilusão cobra caro à realidade. Ah, não será esse o caminho!
Destroço tudo outra vez. As forças da guerra se impõem em busca de paz. Marte!
As águas passam e deixo que passem e me levem para o oceano do mistério. Iemanjá!
Sem medo, pedregulho vadio.
AGORA UM NOVO MEIO SÉCULO
Paixão.Encontro.
Olhos abertos. Azul.
Deixo ir, vagando sem correnteza, levado mar adentro
sem hemisfério.
O sonho finalmente se impõe real, e faz de mim uma proa altiva,
orgulhosa, ascendente, capaz de navegar uma boa maré.
Essa estranha caravela fantasma, o português voador, a todo pano pedindo vento,
toda uma potência de palavras à espera
com sentido
forte de desejo.
ENQUANTO ISSO
As palavras.A primeira promissora pessoa do singular,
a segunda parnasiana pessoa,
e a ferramenta esgotada da terceira do singular...
Só tempo presente. (eco) ente, ente, ente...
Pres(s)ente que inunda meu caderno em branco.
Sempre esteve em branco por mais que eu escrevesse.
Movimento em busca eterna desse agora tão iluminado, sabido, esperado e nebuloso verbo.
“Venha vento. Me desproteja. Afaste essas nuvens e deixe
o sol queimar a minha pele”.
EU ME QUERO MORENO.
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pbaroukh@gmail.com