sexta-feira, março 18, 2005

pequeno poema torto

após noites revirando calado
meu peito não mais cantando
amor dorme
paixão dorme
filho dorme
filha dorme
consciência dorme
angústia se impõe, e deixo
solidão desejada
mas solidão

dia de sol nubla minha mente
cinzenta
desentendida
meditação falha
pensamento falha
sobrevem um imenso cansaço de existir

então, por um momento, inexisto
insisto na poesia
teimo em ver num espaço em branco a possibilidade
e em preenchendo espaços vazios
com letras bem traçadas
brinco de iludir, e iludo

ah, se eu pudesse agora
estar dentro do mar
nadando sem rumo certo
como nau perdida, imerso,
salgado até a alma
e amargo procurando a calma

espreito a vida
espero não sei o que
deixo que ela me leve
como uma amante experiente
até a fonte das minhas dores vãs

seguro-me entre minhas próprias mãos ávidas
e em sendo esfinge
não decifro-me, e devoro-me
em pedaços pequenos
engasgando entre um bocado e outro
porém não encontro resposta
visto que não fiz pergunta
e meu peito explode em revolta
manchando as paredes do inferno
de vidro líquido incandescente
que ao esfriar se torna transparente
desabafando para ninguém
as encostas obscuras de ser
vislumbro o paraiso e deixo passar.
recebo esse inferno como velho conhecido
de demônios que não escuto
de desprazer contra o qual não luto

fico de luto, morreu não sei bem o que
ou se sei, faço que não, para não doer
no limbo, nas entrelinhas
na escuridão desse meu cansaço imenso
que me devora
a me iluminar de trevas
e desassossegar e rasgar toda minha pele
antes adocicada

vou vagando, na espreita
entre palavras fortes demais
promovendo um terremoto
não deixando nem mesmo o vento incólume
desapareço, não creço
me permito a solidão
desespero, não luto
armistício que sou, sem paz
onde jaz o velho brilho, semeio
e colho universos de estrêlas embaçadas

dia de sol dormente
luz demente que me ofusca
porém a noite não passa a me revirar
e não deixar que eu durma

inevitáveis, porém, todos dormem
sobre meus ombros doloridos
e insistem em não me ver, visto que não me mostro
e repentino encosto a cabeça em branco
num furacão repleto de palavras negras
a ao tentar ordená-las sucumbo
a esse meu interminavel deixar estar cansado


Paulo Baroukh 1997
pbaroukh@gmail.com